sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

A Professora que Quase não Foi.

Esta, tenho de contar!
Estávamos no dia do início de novo ano lectivo, creio que em 1955. Não tenho a certeza, mas a data não altera em nada a historieta. Sabíamos que íamos ter uma nova professora de história, mas não tínhamos a menor ideia de quem se tratava.
Na turma do 4.º Ano (antigo) era eu o Chefe de Turma, recém-empossado e cheio de vento. Tento manter a turma sentada e ordenada para dar as boas-vindas à nova docente que tarda em chegar. Alguns dos rapazes, repetentes como os Castelo-Branco, já pareciam mais homens que adolescentes.
De repente, abre-se a porta à esquerda da secretária e entra, sem nenhum acompanhamento, uma jovem - nada de deitar fora - dos seus 20, 21 anos. Naturalmente todos pensaram tratar-se de uma nova colega e, consequentemente, ouviu-se o elevar de vozes a trocar impressões sobre “a nova colega” e alguns já se levantavam para oferecer-lhe uma carteira estrategicamente situada que facilitasse a visualização daquele corpinho delicado e atraente. Só que a jovem, em vez de andar sala adentro, sempre de cabeça baixa, dirige-se à secretária e diz numa voz meiga, ainda de olhos no chão: “Bom dia! Sou a nova professora de história”.
Algazarra geral. A jovem lá levantou a cabeça e pela primeira vez olhou para os seus alunos. Dá de caras com o mano mais velho Castelo-Branco, bem encorpado e que já media os seus 1.76 de altura. Desata a chorar e sai porta fora. Eu, pego no ponteiro, mando sentar e calar a turma e vou atrás dela, fecho a porta e encontro-a lavada em lágrimas na varanda entre o externato e o campo de futebol. Resisti à tentação de abraçá-la e consolá-la e disse-lhe com firmeza: “Ó Sr.ª Doutora, por favor seque os olhos, encha-se de coragem e entre na sala. Se não o fizer, nunca mais será professora coisa nenhuma!” Ela entendeu o que eu queria dizer, olhou para mim com um ar agradecido, secou as lágrimas, esperou mais um minuto ou dois para se recompor, agradeceu-me, reparei, sem me tratar por tu (e daí em diante nunca tratou por tu quem fosse mais alto que ela). Pediu-me que entrasse primeiro e mantivesse a sala disciplinada. Assim fiz, passando pelos mais latagões e exigindo respeito à professora. Dois ou três minutos depois entrou ela, já bastante recomposta e talvez confiante, sentou-se, apresentou-se, pediu à turma para se apresentar e começou a aula.
Desde esse dia tornei-me um ferrenho estudioso de história, paixão que mantenho até hoje. Vendo-a pelo preço que a comprei: corria que se tratava de uma jovem ainda universitária a cujos pais a vida não tinha corrido bem, pelo que precisava do emprego, e obteve uma licença especial para leccionar antes de acabar o curso, mas só em colégio privado. Creio que o nome dela era Maria do Céu ou de Fátima, talvez Fátima por que penso recordar que a Maria do Céu era aquela professora de matemática que explicava que “este coiso mais este coiso dá tanto”...

1 comentário:

José Avelar disse...

Sérgio
Achei a tua história deveras interessante...e agora percebo de onde vem a tua veia para relatar os acontecimentos.
Já agora aproveito para te perguntar se achas ser possível fazer a ponte para esta geração mais novas.Eu penso que não mas tu sendo o lutador que és talvez o consigas.
Um abraço
J.A