quinta-feira, 30 de abril de 2009

Engano

Amar-te, eu sei, foi pecado sem perdão!

Mas não terás o prazer de me ver chorar.

Hoje sou pétala caída no chão

Sou a rua deserta, a vida esquecida, a noite sem luar.

 Foste coisa que passou e não volta

Foste miragem que fugiu e se perdeu !

Amargura, traição, ódio e revolta

Uma calma triste, tudo isto sou eu ! 

O que fizeste de mim? Não sei dizer-te!

Tudo foi um castelo de cartas que ruiu !

Sou outra, não me reconhecerás, não sou eu! 

Foste um amor que passou como os demais!

Sim. Soam gargalhadas roucas de prazer,

Porque, afinal,

eu nunca gostei de ti !!!!

 

Natércia

Natércia

Nota da Administração: A formatação deste poema saiu mal à Natércia que me pediu para tentar resolver. Por razões que desconheço o editor de texto não deixa fazer melhor.

Silêncio

Andei à procura e encontrei mais uma pequena poesia dos meus tempos de jovem. Continuo a dedicar à mesma pessoa: A quem não me quis.
Silêncio
Tudo é silêncio à minha volta
Este silêncio que atormenta e magoa.
A minha alma de vencida!
Oh! Sim. Eu sei o que pensas:
Que nada sou.
Que nada valho!
Mas eu caminho sempre
Sempre em vão!
Procurando o que não encontro:
A esperança renascida
De sonhos perdidos.
Abre a porta!
Dá-me a tua mão!
Juntos contemos as estrelas
As pedras do caminho
Beijemos cada flor,
Cada ninho,
Cada pétala caída!!
Mas se fores
Aquilo que não sou
Aquilo que sonhei
Antes quero seguir no meu caminho
E continuar a ser para ti
A mesma desconhecida!!!!
Natércia Nunes

Foi lindo o sonho, enquanto durou.

Foi lindo o sonho, enquanto durou. Parece chegada a hora de acordar.
Não sei se o problema é geracional, se de desarmonizados contornos elitistas ou se os laços de camaradagem então gerados, afinal, nunca solidificaram de modo a resistir ao impacto do tempo.

Talvez tivesse sido simplesmente a ousada utopia em querer reanimar o que jaz morto e arrefecido

O que sei é que a maioria dos actores principais, por razões suas, não subiu ao palco. 
Não há peça que resista à carência de actores e o blogue INSTITUTO VAZ SERRA – Antigos Alunos não podia ser uma excepção a esta implacável regra. 

Pretender jogar râguebi, quando se tem uma equipa de basquetebol não é inteligente.

Assim sendo, devemos ponderar fechar o blogue, agradecendo ao punhado de antigos alunos que nos acompanharam neste sonho utópico, tentando reanimar o que jaz morto e arrefecido.

Um grande abraço

Sérgio (IVS 192)

segunda-feira, 27 de abril de 2009

O meu tio do Brasil

Tenho um tio no Brasil

Que ontem me telefonou.

Entre notícias e anedotas

Muitas coisas perguntou.

Queria saber de tudo

O que por aqui se passa.

Recordar velhos tempos

Das lindas cachopas

Que hoje já não comem pipocas

Das saias plissadas

De blusas bordadas

A caminho da Romaria

__ O tio ainda se lembra ?

__ Quem diria !

Em tardes amenas

De sagrados ritos

Íamos todos

Ao Senhor dos Aflitos

À senhora do Circo

À Senhora das Dores

Iam em novenas, crentes e ateus

Lá para os lados de S. Mateus.

Por tudo o que ouvi

Promessas, cantigas e rezas,

Tanta pulga, tanta mosca

Davam ao santo com regalo

O meu tio foi levar

Os tomates de um galo.

O tio lá do Brasil

Gargalhava como um tolo

Lembrava-se dos Milagres

Para os lados de Cernache

Quando trazia o bolo

No andor e aos ombros

Com os outros rapazes

Piscava o olho às raparigas

Que com olhares fugazes

Se escondiam nas esquinas

Pensando no bailarico

Quando a noite,escura como bréu

Escondesse um ou outro beijo

E a lua suspensa de uma estrela no céu

Aproveitando muito bem o ensejo

De ver os rapazes Alguns forasteiros,

Por entre as mocinhas, sempre animadas,

Tinham mais brilho que mil candeeiros !

Ah ! E o piquenique ?

Comido à sombra das oliveiras.

Comíamos fruta madura,

Tão doce como alguns beijos,

Polvilhada com ternura.

No caminho, bebíamos água cristalina,

Em taças feitas de folhas de couve

Refeição assim tão fina

Decerto que nunca houve !

Ah ! Como é bom recordar

O piquenique no prado,

Hoje só quero sonhar

Mesmo estando acordado !

Meu tio lá no Brasil

Ainda falou com emoção:

Que do manto azul do céu

Fez alvos guardanapos

Para aqueles piqueniques.

E quando o Sol adormeceu

Tirou muitos retratos ....

Adeus, tio, até à próxima

Disse eu, quase a chorar.

__ Rapariga, deixa estar,

Que a vida só vale a pena

Se usarmos como lema

O que por nós foi recordado. !!

Natércia Martins - 2006

Escrevi estes versos que não tem nada a ver com o Instituto, embora tenha que agradecer ao Dr Manuel Vieira o ter-me dado aulas de Português.

Mas colei-os aqui porque o lema final, é o nosso lema: A vida só vale a pena se a recordarmos como temos feito neste blog. Com emoção e trazer ao de cima os sentimentos que ainda temos.

domingo, 26 de abril de 2009

Ainda a excursão a Madrid: o regresso a Portugal

Arredores de Madrid, ao fundo o Escorial. Reconheçam-se, que nesta eu não fui... Não deixo, porém, de ver o Prente Esteves (2º esquerda em pé na estrada), o Dr.Gil Marçal com o Nuno Baptista à sua esquerda, o puto loiro é (era, já se foi) o Manuel filho do Dr. Gil, na ala da direita de joelhos o José Oliveira e o Dr. Guimarães de sobretudo e chapéu. Em cima do autocarro à direita em pé o Chica, também já falecido, e o que está mais alto parece o Carrasco Marques.
Do que me lembro bem é do cheiro a gasóleo no interior destas camionetas... Era o que havia!

Em honra de D. Nuno Alvares Pereira

D. Nuno Álvares Pereira Todos os anos era homenageado junto ao humilde monumento no Seminário de Cernache. Vemos o nosso Dr. Floreano Correia num dos seus inflamados discursos. Para nós tinha uma frase castiça que ainda hoje recordo: Quando estávamos mais excitados, bramava ...aí raça latina...

Nuno Álvares Pereira canonizado hoje, 26 de Abril

Canonização
Cavaco Silva recorda Nuno Álvares Pereira como exemplo para todos 
26.04.2009 - 08h11 Lusa
O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, manifestou hoje o seu orgulho pela canonização de Nuno Álvares Pereira, considerando o "forte Dom Nuno" como um exemplo para todos, em particular, para as Forças Armadas portuguesas. "O 'forte Dom Nuno', como lhe chamou Camões, é um exemplo para todos nós e, muito em particular, para as nossas Forças Armadas", afirma o chefe de Estado, numa mensagem vídeo colocada na página da Internet da Presidência da República.  Sublinhando o seu orgulho pela canonização de Nuno Álvares Pereira, "pelo que ela representa de reconhecimento do valor exemplar de um português heróico e ilustre", Cavaco Silva diz ser hoje "um dia de alegria para todos os portugueses".  "A canonização de Nuno Álvares Pereira constitui um gesto que honra uma das figuras mais marcantes da nossa História, uma figura em que os Portugueses se revêem como símbolo de amor ao seu País, de defesa corajosa da independência nacional, de vontade de triunfar mesmo nas horas mais difíceis", declara o Presidente da República.  Na mensagem, Cavaco Silva recorda Nuno Álvares Pereira como um português que soube ser humilde, "o que o levou a retirar-se do gozo das grandezas mundanas em nome da fé que possuía".  Lembrando o seu epitáfio "As suas honras terrenas foram incontáveis, mas voltou-lhes as costas. Foi um grande Príncipe, mas fez-se humilde monge", o chefe de Estado assinala que, de facto, Nuno Álvares Pereira "soube voltar as costas às honras terrenas que conquistara através de feitos heróicos".  "Mas não voltou as costas ao seu amor por Portugal, pois foi em nome desse amor que o Condestável comandou tropas em defesa da independência de uma nação ameaçada", sublinha, manifestando-se certo que a canonização de Nuno Álvares Pereira ficará inscrito "na nossa memória colectiva e será motivo de orgulho e de alegria para todos os que amam o nosso País e a sua história".  A cerimónia de beatificação de Nuno Álvares Pereira realizou-se esta manhã no Vaticano.

Nota de rodapé: Entenderão o que esta canonização representa para a "nossa" vila de Cernache do Bonjardim, que passará a ser alvo de turismo religioso organizado.

Antigas Alunas com o Prof. Ferreira de Lerena

Natércia, olha quem aí está à direira!  Não era o "cão de guarda" das meninas?  A da esquerda não é a Lucinda Arinto? Ao lado a Carmen ou Carmo Pires?

sábado, 25 de abril de 2009

A primeira pétala

A primeira pétala caiu

Da rosa que tu me deste.

Depois as outras cairam também,

Talvez vergadas ao peso das minhas lágrimas !

Jazem caídas, Mortas,

Despidas do encanto,

Do viço que tinham antes !!

Ao olhá-las

Aí mortas,

Lembro o teu amor,

Que de repente floresceu

E como as pétalas,

Da rosa que me deste.

Talvez vergado

Ao peso das minhas lágrimas

Caiu

E para sempre morreu !

Natércia Martins

Dedicado a quem não me quis

8 de Maio de 1955

1ª seta a contar da esquerda - Isabel Silva Carvalho 2ª seta Mimi Biscaya 3ª láem cima na ultima fila Teresa Silva Carvalho Foto cedida pela Cesaltina

Excursão de Alunos e Professores a Madrid

Excursão a Madrid de alunos e professores, pousando na passagem da fronteira de Vilar Formoso, Abril de 1952.

Um presente de fim de semana

Não deixem de abrir este presente.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

O João Facha dorme à sombra do chaparro

Ó Natércia, é preciso perguntar? Olha o que eu destaquei da foto para veres com os teus próprios olhos!   Claro que é o João Facha, sem tirar nem pôr...  Basta ver com quem está a sonhar!
O cajado é para afastar o peixe grelhado... (A rima não foi intencional...)
Em tempo: Que não seja por causa disso, João, olha para cima e verás a loira ahahahahah

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Compadre João Facha Este monte é o seu ?

Uma soneca ?

Foto tirada hoje no Alentejo. Alguém viu por aí o Compadre João Facha a dormir uma soneca à sombra de um destes chaparros ?

Excursão a Madrid em 1953. Almoço em Ávila.

Excursão a Madrid em 1953.  Almoço em Ávila. 
Na mesa, segundo à esquerda (creio) Professor Leiria e Professor Ferreira de Lerena.  Reconheço a cara do aluno ao ldo do Professor Lerena, mas não lhe consigo recordar o nome.  
De notar e agradecer o esforço do Professor Ferreira de Lerena para manter o blogue  abastecido de fotos.  Confidenciou-me ele que tinha tirado cerca de 300 fotos nesta viagens de ligeiramente mais que uma semana. 

Foto de 1951 no alto da Serra da Santa, Cernache do Bonjardim

Foto de 1951 de um magusto, ou pequeno passeio, no alto da Serra da Santa, perto de Cernache do Bonjardim.  Reconheço o José Oliveira de óculos escuros e o Professor Ferreira de Lerena, terceiro da esquerda na última fila.   Eu só chegaria em 1952.  Aqui fica para quem reconhecer mais alguém.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Caro Amigo
Não era pileca nenhuma, era cavalo de alta escola...
Corria o ano de 1952, talvez.
Tinhamos acesso aos cavalos da Família Vaz Serra e num determinado dia da semana podiamos dar uma volta lá no Burgo. Alguns dos nossos camadadas eram exímios cavaleiros. Um deles, o Maldonado Cortes, mais tarde cavaleiro tauromáquico.
Bem, vamos à história.
Só tinha montado burros, mas quiz armar-me em forte e fui para os cavalos.
No inicio tudo correu bem, montei, e com ar importante fui exibir-me por Cernache.
Mas o raio do bicho tinha a cegueira do estábulo...
sabido, quando persentiu que eu ia já tinha terminado a volta e ia regressar, desata em galope desenfreado que só terminou na cavalariça, mesmo assim lá me aguentei; ainda hoje não sei como. Não mais voltei a montar.
A foto foi tirada antes da volta, mas já se nota um certo ar, não de medo, que ideia, mas de muito pouca àvontade.
Alguém se lembra do Cavalo? E do cavaleiro?
Caro Sergio
CoMo te disse no mail, ia para me ir deitar, pois já são 2 horas, não perco este bom vício de me deitar a horas decentes...
Encontrei no caminho este amigo e fui com ele procurar a tal foto que sempre apareceu e já está no meu perfil.
Assim durmo mais tranquilo.
Até amanhã
UM ABRAÇO PARA TI, E RESTANTES AMIGOS E AMIGAS. ESTAS SÃO POUCAS... POIS SÓ A NATÉRCIA APARECE.
António Fabre

O GATO DANÇARINO de Ferreira Lerena

Do nosso estimado Professor Ferreira Lerena recebi mais um belo conto de que vão certamente gostar. Agradeço em nome de todos.  Ressalvo que tive alguma dificuldade em conciliar o formato original com o formato permitido pelo editor de texto do blogue, este mais limitado.  Os espaços entre parágrafos foram-me impostos por este editor, acabando vencido. Mas deixar de publicar o conto é que não.  Aí vai: 

O GATO DANÇARINO 

            O HOMEM poisou o prato em cima de uma re­douça de pano, arremessou num gesto impul­sivo o garfo para longe, e levantou-se, o corpo chambão fremente de desespero. Lá dentro, no quarto, a mulher gemia, con­torcida por dores atrozes no ventre. Há dois dias que era aquilo.

            Entrou no quarto, e o olhar alienado da mulher fi­xou-se no seu, ansiosamente, dramaticamente...

            – Vou chamar o médico – disse o homem. – Não tenho com que pagar-lhe a visita, mas vou chamá-lo.

            Tinham vendido tudo, para suprirem as necessida­des que os vinham flagelando. Venderam todo o bra­gal, todas as alfaias, todo o ouro que ela herdara da mãe... E cada vez mais, dia após dia, se afundavam naquele tremedal sem que a ambos fosse possível es­traçoar os empeços misteriosos em que tropeçavam as suas vidas.

            O homem voltou à cozinha, onde respingava um lume esmarelido, apanhou o garfo e guardou-o com o prato num velho louceiro; depois, vestiu um casaco de bombazina bastante coçado, ajustou o nó da gravata e por alguns  instantes quedou-se, estático, na saleta, olhando com um sorriso babão – sorriso de raiva mal contida – a pequena caixa de vidro que encerrava o esqueleto do gato dançarino. Ali a tinha, em cima daquela mesa, com uma ligeira capa de pó no vidro superior, e, dentro, o esqueleto, erecto, rígido, seco, branco, desse gato original que fizera fortuna... Não para ele, entenda-se: guar­dava-o como uma relíquia, por pensar que era o único objecto valioso que possuía. Valeria de facto alguma coisa? Ou teria ele entrado naquela casa como uma maldição de que jamais se libertaria? A verdade é que os ossos do bicho como que o tinham lançado, de gangão, pelos resvalos da vida, pelos boqueirões ne­gros de sorte avessa... Lembrava-se muito bem como lhe fora parar às mãos. O dono dissera-lhe que valia dinheiro, e ele andava por então bastante necessitado para realizar o casamento. Havia deixado uma vida assaz dura, como moço-de-fretes, em que de canga e chinguiço. carregara pesados fardos de todos os tamanhos e feitios – quando conheceu a mulher, que possuía alguns bens móveis deixados pela mãe. Um mês antes do enlace ele encontrara, longe, em pleno descampado alentejano, um velho caído, moribundo, e, ao lado, duas malas. Ajudou-o como pôde, mas o ve­lho morria sacudido por violentos estertores. Como que o via ainda, a alva cabeça apoiada numas pedras, o falar tão brando que dir-se-ia o ciciar de um eco dis­tante, mostrando-lhe um pequeno esqueleto que, den­tro da caixa de vidro, trazia numa das malas que a custo abrira. Pediu-lhe que o guardasse, que valia muito dinheiro como coisa única. Tinha sido um gato famoso, de lindo pêlo negro, glória da família gravada nos tempos áureos do velho artista de circo. Já era es­queleto há mais de vinte anos. O circo desfizera-se, malbaratado por uma orientação péssima, e o artista abandonara a carreira, já iam largos anos. Com ele, e depois da morte da mulher, ficaram apenas os ossos daquele gato que dançara centenares de vezes ao som de orquestra, em cima de um tamborete, arrebatando as multidões. Agora, ia, perdido, ao acaso, doente, em demanda de um filho, algures por aquelas bandas...

            Mas o velho acabou por morrer e ele deixou-o ali, levando consigo a caixa de vidro. Já longe, viu um grupo de ceifeiros que se ajuntava em volta do morto...

            Dois anos depois, pensando no anátema terrível que aqueles ossos teriam lançado sobre a sua vida, o ho­mem pensava para que queria ele aquilo, que para nada servia. A verdade é que o fora deixando ficar, em cima da mesa, a cobrir-se de pó...

            Suspirou fundo – suspiro de revolta contra si mesmo – e saiu de casa, atordoado. O médico morava a cinco minutos de longada.

            – O que sente ela? – perguntou o clínico.

            – Dores horríveis... muitas dores... não sei... veja se a salva...

            – Bem, vamos ver isso.

            O homem avançou, tataranho de todo, velhaco, e puxou-lhe o braço:

            – Doutor... queria que a salvasse... mas não tenho dinheiro para lhe pagar a visita...

            – Depois se vê...

            – Mas oiça, doutor... – o homem falava quase sem coerência, dominado por algo que o aniquilava. – Não tenho nada... nada... a não ser um objecto... uma rari­dade... Sei que o senhor colecciona coisas raras...

            – Sim? Que raridade?

            O médico falava naturalmente, quase desinteressa­damente, para pôr o outro à vontade, enquanto enver­gava a gabardina.

            – O esqueleto... o esqueleto dum gato...

            O doutor olhou, incrédulo, o carão largo e gordaço do homem, e desatou a rir:

            – Um esqueleto? Para que diabo tem você o esque­leto dum gato?

            – Ah, doutor!... Depois verá... Agora, venha de­pressa, por favor!

            O homem desceu as escadas, atarantado, e o doutor seguiu-o.

            Quando, pouco depois, entrou na saleta, de solho pouco limpo e atmosfera bafienta, o médico desco­briu logo, no esconso, sobre a mesa, o receptáculo de vidro com a estranha preciosidade dentro, e, num mo­vimento de curiosidade, quase brusco, fixou o rosto mazombo do homem, que tremia, cobardemente, os dedos tronchudos, nervosos, apertando com força a espalda de uma cadeira velha. Em contraposição, o médico parecia satisfeito.

            – É um curioso objecto, não lhe parece? – observou o clínico. – Onde é que o descobriu?

            O outro, na pressa de ocultar os modos falaciosos, puxou-lhe o braço:

            – Doutor, ela espera-o... ali, aquela porta... pago-lhe a visita com...com o gato dançarino...

            – Está bem. Aceito!

            E o médico entrou, rápido, no quarto da enferma. A luz entrava pela lucarna, uma luz difusa emanante dos últimos arrancos do espectro solar...A mulher contor­cia-se com dores atrozes, a boca hiante, escumosa, as mãos apertando o ventre numa aflição impressionante. O médico tacteou-lhe a barriga e fixou o rosto esca­vado da moribunda. Esperava que o homem entrasse, mas pela porta entreaberta viu-o, costas voltadas, à espera.

Ministrou à mulher um calmante de morfina, e dei­xou a lúgubre alcova. O outro voltou-se e encarou-o, ansioso.             O médico não queria dar-lhe a notícia assim, de mão-quadra. Irreflectidamente, o seu olhar poisou no esqueleto do gato dançarino que, na sua posição erecta, dir-se-ia pairar como uma ameaça...

            – Então, doutor... salva-se?

            O clínico hesitou. Procurou desviar o assunto:

            – Quem lhe deu o gato dançarino?

            – O gato, não! O esqueleto!... Era dum velho artista de circo!... Dou-lho! Eu dou-lho!... Mas diga-me, doutor... ela salva-se?

            O médico foi brutal na resposta, enervado, impaci­ente, olhando o escaparate de vidro, que lhe fez lem­brar um parente longínquo, não sabia quem...

            – Não se salva! Devia ter-me chamado mais cedo!

            De repente encarou-o, arrependido do que dissera. Não devia ter sido tão violento. Viu o homem empali­decer, os olhos rolarem-lhe nas órbitas ensanguenta­das. Os dedos grossos retesaram-se, o rosto entumeceu ainda mais, com uma expressão terrível, e aquele olhar, agora medonho, foi cair no esqueleto do gato, cuja imobilidade dentro do escaparate parecia ganhar uma atitude diabólica, escarninha – a que ele atribuía toda a sua desgraça!

            O médico observava, silencioso. Ia para o acalmar e pegar na caixa de vidro, mas já o homem, num súbito impulso, violento e terrível, sob o peso da dor, abatia dois punhos de ferro sobre o escaparate, enchendo a casa de um fragoroso estilhaçar de vidros. O esqueleto do gato dançarino desfizera-se em minúsculos boca­dos...

terça-feira, 21 de abril de 2009

Esta é a prometida foto do passeio à Figueira da Foz

Rectifiquem a data. O passeio foi em 1954.
Reconhecem-se?

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Passeio dos mais velhos à Figueira da Foz, em Maio de 1953

Foto gentilmente cedida pelo Professor Ferreira Lerena, a quem agradecemos o apoio, o incentivo e a contribuição preciosa que nos tem dado. O Professor Ferreira Lerena faz parte indelével das nossas memórias mais remotas do IVS. Esperemos que em breve possa dar essa contribuição em directo no blogue, valorizando-o.
Trata-se de um passeio dos mais velhos à Figueira da Foz, em Maio de 1953, alguns Professores e Familiares. Em primeiro plano a Maria José Patrão. Quem reconhece as outras pessoas na foto? Dado que em 1953 alunos e alunas andavam fardados, as duas senhoras sem farda seriam professoras ou familiares.
O António Fabre teria participado? Eu ainda pertencia aos garotos com estatuto de "putos", portanto fiquei em "casa". Porém, também reconheci a Maria José Patrão, o que quer dizer que "puto" seria, mas já gostava de apreciar a beleza feminina...
Em tempo: Correcção - Em conversa com o José Gil Barata foi recordado que, afinal, também fui a esse passeio à Figueira da Foz. O Barata recordou-me de um pequeno incidente que me avivou a memória. Quando estávamos para partir de regresso a Cernache, o Dr. Floriano (que apelidávamos de "Filósofo") deu por falta da sua linda mulher. Tivemos de esperar algum tempo até o doutor "resgatar" a Senhora.

Em Tempo 2: Acabei de falar com o Parente Esteves que tem a história muito mais vívida e completa na sua mente e certamente virá aqui contá-la.

Que belezas !!

Mais um grupo cedido e identificado pela Cesaltina: Mário Jorge,Xica ( falecido) , 3 Lamy ( falecido ) A Senhora deve ser a D. Noémia

domingo, 19 de abril de 2009

Como hoje é Domingo....

Como hoje é Domingo aqui vai mais uma foto.
No pelourinho da terra inexplicavelmente retirado do local...
Para onde foi?
Podemos ver o Zé Galvão de Aluno de dia, atrás o Rui Lagoa, (foi meu Padrinho de Casamento),já cá não está. Eu estou de mão no bolso com o António Cortes à minha frente. Este também está a viajar... qualquer dia encontramo-nos...
O que está de cocoras não recordo o nome.
Porque será que me esqueço de certas coisas?
Convosco acontece o mesmo?
Dizem ser da idade, mas eu não acredito.
Com o terem levado o Pelorinho é que não me conformo...
Quem sabe explicar o facto?

Onde estão os rapazes do meu tempo?

Sala de estudo no IVS 3 Recordo o Lagoa, António Cortes, Maldonado Cortez à minha esquerda, à direita de branco, quem é?
Vá lá. Não se esqueçam de tomar as pastilhas de manhã, ao almoço, ao jantar e ao deitar e apareçam no Blogue.
Se têm medo do computador peçam ajuda aos netos e vão ver que isto é divertido.
Vale a pena.
Nós tivemos a sorte de ainda assistirmos a esta grande revolução tecnológica...
Conto-Vos uma recordação:
Eu fazia parte do IVS 3 que era o internato em casa do Dr. Gil Marçal. A música de cabeceira era uma velha galena que disputávamos à vez entre os camaradas de quarto: Taborda, Zé Galvão, Cortes, Maldonado, mais não lembro. Depois as coisas evoluiram e alugámos um rádio, grande caixote, no relojoeiro da terra, o Lourenço; pelo aluguer pagávamos vinte cinco tostões por mês. Ficámos prejudicados pois tivemos que entregar o rádio antes do mês acabar.
O Gil acabou com a musica.

No jogo Atlético, IVS.

O saudoso Director e Amigo Gil Marçal.

Com mais Homens destes o nosso País, decerto seria diferente.

Festa no jardim do Clube de Cernache

Do elenco destacam-se dois grandes artistas que comigo estiveram nesta festa:
O Rui Gomes e a grande Fadista Teresa Silva Carvalho, que me continua a deliciar com os seus fados.
Dos não artistas, a Locas que sempre me vai dando notícias com bonitos mails.
Para ti Cara Amiga, um grande abraço.
Lembras-te desta festa?
Já bebiamos um copo. Mas era só tinto, o que inspirava o discurso. Sabem quem bota palavra?
Aqui estou eu a dar um copo ao Zé Oliveira.
Reconheco o Salvado dos Santos que está a emborcar e o mais novo da mesa, o Guimarães que já partiu... Na mesa de trás vê-se o Rosinha e o irmão mais novo do Guimarâes. Estes eram de Oleiros e o Rosinha da Castanheira de Pera. Lembram-se?
Ao vasculhar o meu sotão encontrei esta memória do enterro do Café Académico. Lembro-me que estivemos largos meses sem lá entrar. A razão não sei. Quem leu o testamento que eu escrevi foi o Carlos Neves. Era dos mais fortes, por isso tinhamos as costas quentes. Lembram-se desta Cena? É como se diz agora, não é? Foi ma cena bué fixe!...

sábado, 18 de abril de 2009

Quem conhece este rapazinho?

Dá-se um chupa-chupa a quem identificar este rapazinho, numa foto tirada ouco mais de um mês antes de aterrar no IVS

Equipa handball 1964

Bispo de Portalegre visita IVS Março 1954

Bispo de Portalegre visita o IVS em Março de 1954
Da esquerda Dr. José Vaz Serra, Bispo de Portalegre, Dr. Gil Marçal. Atrás entre o Bispo e Dr. Gil Marçal é o Parente Esteves. E quem reconhece os dois antigos alunos da Guarda de Honra?
1 de Maio de 1955 À frente, em continência, vai o Carrasco Marques. Reconheço ainda o Nuno Bonneville, primeiro esquerda e o Verdugo, 4º na fila mais perto de nós. Eu vou aí de certeza, só não sei onde...
E os outros, alguém reconhece?

Governante visita o IVS em Maio de 1955

Reconheço alguns dos antigos alunos: Parente Esteves, atrás e à direita do Subsecretário de Estado. Na primeira fila de alunos, o 1º é o Nuno Bonneville, seguido do Farinha, o 4º é o Verdugo. Alguém reconhece os outros?

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O Foguetão

Quando conto aos meus filhos que antigamente, antes do 25 de Abril, não podíamos falar com os rapazes, pois as escolas eram de sexos separados: cada um para seu lado.... eles fartam-se de rir.

O colégio onde estudei era misto Os rapazes num recreio e as raparigas separadas deles por um muro bem alto.

Sempre ouvi que o fruto proibido é o mais apetecido.. Fazíamos malabarismos incríveis só para os ver. Falar-lhes às escondidas. E como era bom uma pequena escapadela até às escadas ou ao corredor ande eles estavam.

Os pequenos namoricos ..... Esses eram também às escondidas. Passávamos papelinhos escritos em folhas arrancadas, de caderno. Até o papel que usávamos tínhamos que dissimular

dentro de cadernos de apontamentos “inocentemente” trocados durante o intervalo das aulas.

Havia uma janelita alta no cima das escadas que era território disputado com “ unhas e dentes”. É que a tal janelita estava estrategicamente colocada para o recreio dos rapazes. Quantas zaragatas, quantas dentadas e unhadas pela disputa da janelita.

Outros tempos ......

-junto ao colégio havia um campo de futebol, para os rapazes, claro !

Nós jogávamos ao mata, bilharda ou outros jogos considerados femininos, mas no recreio oposto.

O Director do colégio era um homem muito rígido. Com os óculos na ponta do nariz parecia que era bruxo

Aparecia sempre quando menos esperávamos. Havia de aparecer quando uma de nós tinha “ conquistado” a dita janela. Que pena ! Tanto trabalho e os rapazes lá em baixo sem nós os podermos olhar.....

De vez em quando, muito raramente, dava-nos autorização para se ir ao campo de futebol. Havia por lá actividades que, mesmo, sem o minimo interesse se agarravam com algum entusiasmo, pela nossa parte. Estavam lá os nossos “ meninos” !!!

Mas a juventude irreverente e imaginativa sempre soube dar as volta às questões. O meu irmão, o Sabe Tudo, O Bolinhas e o Papa lembraram-se de lançar um foguetão. Ainda hoje, quando falo nisto a qualquer um deles, abrem-se num sorriso maroto.

Será que pensaram em gozar com toda a gente ? Se foi isso que pensaram, conseguiram.

A história é assim: um chapéu de chuva aberto, um lençol, e alguns tubos de ensaio cheios de pólvora Só isto ? Pois !!!! E o estratagema para a infiltração no território feminino ?

Elas coseram pacientemente sob a orientação deles as varetas do chapéu ao lençol.

Levou alguns intervalos. Bastantes intervalos, claro. E o dia marcado lá chegou. Cartazes pendurados pelos corredores anunciavam a subida do foguetão.

Primeiro os “ cientistas” e algumas raparigas para recoserem as linhas partidas ou mal cosidas. Depois a população do colégio: professores, empregados e vigilantes.

Montado o cenário levaram algum tempo Havia que criar algum suspense....

Debaixo do chapéu e do lençol em forma de cilindro, o meu irmão ( “boa peça” ) acendeu o tão esperado fósforo e chegou ao tubo da pólvora. Mas em vez do foguetão subir fez um fraco e envergonhado PUM. O lençol e chapéu em fanicos e toda a gente a rir.

Nota: Esta história quase verdadeira passou-se no Instituto Vaz Serra em Cernache de Bonjardim lá para os anos 50 e........

Natércia Martins

Nota: Esta pequena história foi escrita muito antes deste blog começar. Os nomes que aqui figuram podem não ter sido os verdadeiros intervenientes. Também tem alguma ficção. Mal eu sabia que iria figurar e avivar a memória de alguns que ainda se lembram do lançamento do foguetão no Instituto

Ano Lectivo 1964 1965

Ano 1964/65

O meu primeiro dia no IVS - Carlos Manuel Lopes Catalão

O Meu primeiro dia no IVS
Natercia na ultima foto estou eu com o Tirol no dia em que foi para tua casa

terça-feira, 14 de abril de 2009

A VELHA DA AZENHA por Ferreira de Lerena

Do nosso estimado professor e escritor Ferreira de Lerena recebi uma explicação.   Foi ao nosso blogue, nas não entrou por que não atinou com o processo de registo. Deu-nos, porém, a alegria de sabermos que está bem e foi mais longe, oferecendo-nos este seu lindo Conto, que publico com o nosso reconhecimento:

A VELHA DA AZENHA 

 Para lá da aldeia havia um pinhal. No fundo do pinhal corria um ribeiro. Ao pé do ribeiro mo­rava uma velha. Essa velha tinha uma azenha. E todos os dias fregueses deixavam sacos de trigo ou de milho à porta da azenha da velha que morava ao pé do ribeiro, no fundo do pinhal, para lá da aldeia...

Mas um dia a azenha da velha deixou de cantar no eixo da mó. A água corria na pequena levada, as pás carcomidas giravam ainda, o eixo podia cantar e a mó podia moer. Mas a mó não moía, o eixo não cantava, as pás não giravam, só a água corria e a velha chorava. Os dias passavam, e a pobre, curvada e velhinha, no seu fato  negro  já gasto como ela, sentada na laje à porta da  casa, olhava, calada e vencida, o novo moinho que um novo ricaço erguera adiante, além do ribeiro... Tudo era novo: a casa da moagem, branquinha de  cal, a estrada aberta para a aldeia, e até o apito era novo acordando o silêncio no fundo do pinhal... Um grande motor roncava e moía. E todos os dias o apito to­cava, e todos os dias de todas as bandas os sacos che­gavam em grandes carradas; instante a instante saía a farinha,  p’ra longe, p’ra perto, para todas as bandas, em carros enormes de sacos cheiinhos...

 

E a pobre moleira, com dor e com fome, olhando a moagem, novinha de cal, olhava a azenha, velhinha a cair. Velho e a cair estava tudo: o casinholo, a esbo­roar-se, ninho de aranhas e lagartos; a minúscula aze­nha a desfazer-se; e ela também, aos tropeços, manca-que-manca, um ror de anos que nem ela sabia já quantos!, moendo farinha para todos os lugares em redondo. Moeu a vida juntamente com a farinha. Agora, talvez acabasse tudo, ela e a azenha, ao lado do ribeiro cujo cantar rosnão nos açudes ia morrer, em cima, nas quebradas agudas das margens...

Os fregueses de há muitos anos já não desciam, com os seus burricos carregados de taleigos de cereal, pelo carreirito pedregoso, torce-que-torce, toc-toc, até à azenha, ronceira mas fiel; iam estrada nova abaixo entre carros e camiões para o moinho grande, de maquinaria moderna, rápida, lá adiante, na curva do ribeiro...

E a velha continuava só, à míngua de uns tostões que lhe davam, porta aqui, porta além, porque a vida dela já não tinha outro significado nem novas esperan­ças, paralisadas as mós do seu moinho. As tardes, dia após dia, e mês, e mês, e mês, passava-as sentada na soleira da porta, cismática, a ouvir o silvo da moagem espalhar-se por fragas e pinhais, as mãos encruzadas sobre o ventre, o queixo comprido e esguio em movi­mentos ritmados – o que mais tinha para mastigar!

Uma que outra vez, velha mirrada e camba como ela passava o vau do ribeiro, quando as águas não cor­riam de enxurrada, e botava conversa:

«– Quem a viu, ti’Anica, tão de volta do seu moi­nho. Mas aquele ricaço tem feito para ali coisa grande!»

«– É sempre assim, mulher – respondia a velha, já tataranha de língua. – Quem é pobre e nada tem, fica com o que tem!»

«– Ora! – exclamava a outra. – Dizem que a fari­nha, ali, fica moída num instante. Mas já ouvi muita resmunga. Que são uma súcia de ladrões, o ricaço e os sócios ou lá o que eles são. E olhe que a freguesia, dizem, não anda nada contente.»

A velha nada dizia. Continuava a mexer o queixo, remoendo ideias surdas, meneava a cabeça, sacudia o avental. Depois, quando a outra desandava e desaparecia, já do outro lado do ribeiro, levantava-se e ia, manqueando, ao pinhal juntar caruma e uns cavacos secos para acender o lume e cozer duas batatas que comeria com um migalho de pão escuro. 

Manhã cedo de um tempo depois foi ela desperta por um sabido zurrar de burreco, ali mesmo, junto da sua porta.

– Ti’Anica! Ó ti’Anica! – chamava uma voz boçal de homem.

– Lá vou, lá vou!

Enfiou as velhas saias, atou o lenço preto à cabeça e veio cá fora. E o que viu deixou-a incrédula, pregada ao lajedo. Podia lá ser! Quatro sacas de cereal, à porta da velha azenha!

– São para vossemecê moer, ti’Anica! – gritou o homem trazendo o asno pela arreata. – O meu trigo passa a ser moído aqui, ‘tá a ouvir?

A velha juntou as mãos.

– Benza-te Deus, homem! Então... e a moagem?

– Uma ladroeira, ti’Anica! Que eles não devem ir longe. Já lá anda a fiscalização!

– Mas os sacos chegam às carradas – objectou ti’Anica.

– Qual! A freguesia está a fugir-lhes, e por mais um pouco vão à vila, que lá a coisa é a sério. E há os que, como eu, vão continuar a vir ao seu moinho, se ainda trabalha...

– Lá trabalhar, há-de trabalhar. Não vês a água, como corre! Vai dar forças à mó!

–  Olhe... aí vêm também o Zacarias e o Inácio!

– Graças a Deus!– exclamou a velha, tremendo o queixo e persignando-se. Depois foi abrir a desmante­lada porta do moinho, há tanto tempo cerrada com grossa tranca de eucalipto. 

Voltaram a girar as pás na levada, voltou a cantar o eixo na mó. Já não tem fome a velha moleira, que mói a farinha na azenha em ruínas, ao pé do ribeiro, no fundo do pinhal, para lá da aldeia...

 FERREIRA DE LERENA

 Este conto foi escrito em 1956, publicado na revista Flama e, mais tarde (1968), inserido no livro de leitura oficial do Ensino Técnico Profissional LUSA PÁTRIA, 4.ª edi­ção, p. 243.