sexta-feira, 30 de abril de 2010

IVS e-Newletter


Do actual Instituto Vaz Serra recebemos via e-mail esta Newsletter que repoduzo com muito prazer.

Campanha Victoria's Secret

Seis top models fazem parte da nova campanha da marca Victoria's Secret. 

Aparecem nuas, apenas com sapatos de salto alto e milhões de dólares em jóias. 

A campanha irá para o ar na americana CBS, a partir de 4 de Maio 2010.

Deve estar a perguntar por que é que uma campanha que está aparentemente pronta, só vai para o ar em Maio...








Ora bem... a resposta é simples! 

É porque, daqui até lá, o fotógrafo acredita que vai conseguir fazer com que a modelo loira compreenda que deve dobrar a porra da perna esquerda ! !

Crónica de António Mendes Nunes (para nós o 14)


ESPECIALISTA HISTÓRIAS DE LISBOA

Uma roleta no S. Carlos

por António Mendes Nunes, Publicado em 28 de Abril de 2010  

Na semana passada escrevemos sobre António Marrare, o napolitano que ensinou os lisboetas a apreciarem o bom café. Voltamos hoje a contar uma história deste verdadeiro empreendedor, namoradeiro dos quatro costados e antimiguelista ferrenho. Em 1833, quase um ano antes da assinatura da Convenção de Évora-Monte, que pôs fim à guerra civil, com a derrota dos partidários da monarquia absoluta, ofereceu um banquete faustoso no seu Marrare do Polimento, a que assistiram dois importantes chefes liberais, os duques de Palmela e da Terceira.


Já desde o início da década de 1810 António Marrare se tornara o fornecedor oficial do botequim do Teatro de S. Carlos, acabando por passar à sua exploração directa meia dúzia de anos mais tarde. Nessa altura arranjou namoro com Margarida Bruni, bailarina de uma companhia italiana, tendo-se tornado seu amante de casa e pucarinho. A Bruni acabou por se tornar empresária do teatro, de sociedade com João Baptista Hilbrath, com o apoio logístico de Marrare. Se as óperas eram uma miséria (a Bruni não pagava aos artistas) e o teatro estava muito tempo sem espectáculos, como se pode ler numa advertência da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino no Diário do Governo de 29 de Novembro de 1822, as festarolas de comes e bebes eram o máximo. Um dia a Bruni e o Marrare resolveram instalar uma roleta no S. Carlos. Foi a gota de água. Por ordens do intendente Pina Manique, a concessão acabou-se. A Bruni eclipsou-se e o Marrare continuou a sua carreira triunfal de estalajadeiro, até à morte, em 1839.

Editor de opinião

Escreve à quarta-feira

terça-feira, 27 de abril de 2010

Acidente

Ficou assim. Lindo não é ? Vim de reboque para casa.

sábado, 24 de abril de 2010

Nova Letra do Hino Nacional

DES@INO.NACIONAL

Heróis do mal

Pobre Povo

Nação doente

E mortal

Expulsai os tubarões

Exploradores de Portugal

Entre as burlas

Sem vergonha

Ó Pátria

Cala-lhe a voz

Dessa corja tão atroz

Que há-de levar-te à miséria

P'ra rua, p'ra rua

Quem te está a aniquilar

P'ra rua, p'ra rua

Os que só estão a chular

Contra os burlões

Lutar, lutar !

Nota importante da D. G. Saúde

quinta-feira, 22 de abril de 2010

O melhor café do mundo por António MN






Jornal de Notícias de Portugal e do Mundo | iOnline
informação
21Abr2010
Quarta












ESPECIALISTA HISTÓRIAS DE HUMOR

O melhor café do mundo

por António Mendes Nunes, Publicado em 21 de Abril de 2010   


QUANDO SE FALA em café lembramo-nos dos italianos, que desenvolveram máquinas modernas, eficazes e de belo design para o fazerem, tornando-se famosos em todo o mundo com o seu expresso. Pelo contrário, em Espanha não sabem fazer café. Na Alemanha estragam os melhores lotes em infusões pálidas que servem em canecas imensas. Em Inglaterra, sobranceiramente, bebem chá, que por sinal por lá foi divulgado por uma rainha que era portuguesa. E em Portugal? O nosso café é genericamente bom, mas nem sempre foi assim. E se o italiano António Marrare ficou para sempre ligado à cozinha portuguesa com o bife que se cozinhava num dos seus cafés, o do Arco Bandeira, justo era que também fosse lembrado como o homem que mostrou aos lisboetas o que era na verdade essa bebida.

Até ao início do século xix o que se bebia nos cafés e botequins da capital era uma mixórdia composta por alguns grãos de café misturados com tremoço, fava, feijão e grão-de-bico bichado, tudo torrado e misturado com um toque de fel de vaca para lhe dar um pouco de amargor.

Foi António Marrare quem, no célebre Marrare do Polimento, ao Chiado, primeiro serviu café puro, em chávenas de porcelana e bandejas com cafeteira, açucareiro e colheres, tudo em prata. Custava o triplo do que custava noutros estabelecimentos, mas freguesia não lhe faltava. Outros cafés foram-lhe seguindo o exemplo. Lisboa começou a beber do melhor café do mundo há 200 anos, pela mão de um italiano.

Editor de opinião, escreve à quarta-feira

quinta-feira, 15 de abril de 2010

1 9 7 5

Do blogue irmão Externato Ramalho Ortigão - Antigos Alunos

                                                                                                     por João Jales


1975

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- Mas quais colonialistas? Não sei do que falas, o meu pai era um empregado de escritório lá em Angola, a minha mãe tratava da casa e cozinhava de vez em quando uns bolos e uns doces para fora… Pensavas o quê?

Assim falou a Irene, respondendo a umas considerações esquerdistas do Jorge sobre o papel dos portugueses em África. Ele ficou calado, esta descrição de uma pequena burguesia com dificuldades não encaixava no quadro que imaginara, em que o pai da garota, um anafado colono de pingalim sentado numa varanda, vigiava um grupo de africanos que trabalhavam a sua terra...

Nesse final de Setembro de 1975 o Verão nunca mais acabava, mantendo-se a temperatura bem acima dos trinta graus. O rio, à beira do qual estavam os dois estendidos, era o único refúgio possível. Ao longe, um ribombar surdo quebrava ocasionalmente o silêncio que os envolvia, o que, juntamente com uma nuvem negra no horizonte, parecia prenunciar uma trovoada, frequente nessa época do ano.

Ambos tinham vinte anos, ela regressara há pouco de Angola com a família, ele frequentava vagamente a Universidade de Lisboa, coleccionando inscrições, sem entusiasmo nem rumo definido, em Faculdades diferentes. Circunstâncias diversas tinham reunido os dois neste lugarejo esquecido do Minho, de onde as famílias de ambos eram oriundas, ela por necessidade de refúgio enquanto os pais recomeçavam a sua vida na metrópole, ele numa espécie de exílio e castigo que não lhe pesava, já que lhe evitava as discussões familiares sobre a sua vida académica…

Durante o silêncio que se seguiu ele olhou para ela, um corpo magro com uns olhos assustados, não sabendo o que responder. Não era este o rumo de conversa que imaginara quando, depois de almoço, se encontrara com ela para virem gozar os prazeres daquela praia fluvial. Com a cabeça cheia de inflamadas opiniões e definitivas certezas sobre tudo, que adquirira em conversas pela madrugada alfacinha e nalguns livros que costumava folhear e passear, mais do que ler, pelos cafés e cervejarias que frequentava, esperara que ela o ouvisse, admirada e admiradora. Mas não, e o tom de firme discordância vindo daquela criatura, aparentemente frágil, tinha-o apanhado de surpresa.

- Tinha a ideia que as coisas eram lá mais fáceis – acabou por responder, enquanto entravam na água – ouço muitos relatos que incluem festas, belos jardins, criados para todos os serviços…

Foi interrompido por uma “amona”, engasgando-se com a água morna e límpida. Embrenhado na sua dissertação esquecera-se que estava a discutir e tomar banho com uma garota da sua idade! Durante uns mergulhos e umas braçadas preguiçosas as considerações foram suspensas.
.- Em Angola tudo era mais simples e menos formal – continuou ela depois, enquanto se estendia na toalha – aqui há mais frio, mais roupa, mais cerimónia, mais gente a reparar em tudo o que fazemos e dizemos. Se calhar tem a ver com o clima, na Primavera, quando vim, o frio ainda era de rachar, imagino como será passar aqui o Inverno!

- E aqui no Norte é ainda mais frio do que em Lisboa – e contou-lhe, a propósito, a sua vida lá, as longas noites a conversar precisamente sobre a necessidade de novas mentalidades e novas formas de organização social. Assistira a algumas reuniões da extrema-esquerda, era amigo de militantes do Partido (dizia-se só assim, o Partido) mas as regras rígidas, a disciplina e a aparente frugalidade dos que se devotavam dessa forma à causa da classe operária não o atraíam. Um grupo anarquista de bons vivants acolhia-o, sem grandes obrigações a não ser vez em quando dar à manivela de uma máquina policopiadora na sede da Batalha ou colar uns cartazes - “Arriba Franco, màs alto que Carrero Blanco”, mas ela não percebeu a piada, não conhecia os pormenores do atentado que vitimara o primeiro-ministro espanhol. Falou-lhe então dos romances clássicos que devorava e que continuavam guardados (escondidos?) no seu quarto alugado, porque os clássicos agora eram Marx, Mao e Lenine, que tinham substituído Tolstoi, Proust e Camus.

- Ah, os meus livros! Nem sei se estão cá ou se ficaram lá – lembrou-se ela – E a minha roupa, tenho vivido só com o que trazia numa pequena mala, sei que há uns caixotes com coisas que vieram de barco mas estão ainda em Lisboa, nem sei bem o que têm. Não havia Porfírios em Luanda, claro, mas havia onde comprar roupa moderna, o Augustus tinha uma boutique sempre com novidades e havia também a Xabanu… Eu não tinha muito dinheiro mas gostava de ver e, de vez em quando, juntava uns restos das semanadas e lá comprava qualquer coisa, geralmente nos saldos.

Até ela ouvira falar dos Porfírios, que eram realmente o centro da moda jovem portuguesa. As suas montras cheias de roupa com desenhos coloridos e psicadélicos, flores, calças que varriam toda a largura do passeio e adereços femininos de tamanhos disparatados e formas ameaçadoras eram um mundo fascinante; nem o Jorge resistia a lá comprar uma ou outra peça de roupa mais esotérica. Para usar nas festas e encontros fora dos círculos revolucionários, claro.
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Ela continuou:
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-Discos, de que tanto falas, não tinha, eram muito caros. Mas muitos amigos tinham as últimas novidades, que não vinham da metrópole, de onde chegavam sempre muito atrasadas, mas da África do Sul, através dos funcionários da Tap e das companhias de navegação.

O Jorge contou-lhe então das tardes passadas na Melodia, Valentim de Carvalho, Sinfonia… Escolhiam-se os discos nos caixotes de exposição e entregavam-se a uma funcionária que os punha a tocar num dos gira-discos disponíveis; a cada um deles correspondia um cubículo, parecia uma cabine telefónica, onde um altifalante de má qualidade dava uma ideia do conteúdo dos LPs. Ele ouvia e comprava menos discos ultimamente, o Rock transformara-se, depois da crise petrolífera de 1973, numa música formal, tecnicamente bem executada, com longas composições e muito trabalho em estúdio, mas tinha perdido a sua urgência, excitação e espontaneidade. O chamado Rock Sinfónico (Yes, Genesis, Camel, Renaissance, Emerson, Lake and Palmer) não era exactamente o que o Jorge apreciava:

- Vi os Genesis em Cascais em Março deste ano. Um bom concerto, muito bem montado, com uma cenografia fantástica, parecia uma ópera, e um som como nunca ouvi. É claro que gostei, mas prefiro uma música em que me sinta mais participante e não tanto espectador… Ainda por cima à entrada estava o Copcom, com camuflados e chaimites, a disparar rajadas de metralhadoras para o ar como forma de obrigar as pessoas a formar filas para entrar, pareciam um bando de cowboys!

- Não me fales de metralhadoras, nem imaginas o que aconteceu no último filme que vi em Luanda- respondeu a Irene. - Foi também em Março passado, já havia trocas de tiros entre o MPLA, a FNLA e a UNITA. Cada um deles controlava uma zona de Luanda e havia sítios em que se trocavam tiros de prédio para prédio! O filme que fomos ver no cinema Império, ao ar livre, era sobre a Segunda Guerra, o ataque dos americanos a umas ilhotas no Pacífico. A segunda metade do filme era um tiroteio constante, demorámos um bocado a perceber que os buraquinhos na tela não podiam ser feitos pelos actores… Saímos do cinema de gatas e a rastejar, enquanto ouvíamos e víamos as balas tracejantes passando-nos por cima da cabeça!

- Mas já havia guerra mesmo ali ao teu lado antes do 25 de Abril – fez notar o Jorge.

Mas “ao lado” era uma má escolha de palavras, tudo em Angola funcionava numa escala diferente. Ela explicou-lhe que “ali” era a centenas de quilómetros de distância, só a passagem de colunas militares, veículos e fardas, lembravam a guerra colonial. Esta de que falava era à porta de casa:

- Nos últimos dias andávamos com vários cartões, uma mistura de bilhete de identidade e salvo-conduto, um de cada um dos partidos. Tínhamos que saber diariamente quem controlava a zona onde queríamos ir, não se podia mostrar o cartão errado...

Tudo isto parecia longínquo e irreal ao Jorge, só lhe importava saber que a sombra da tropa e da guerra colonial já não pairava sobre ele. Interessou-se mais pela descrição que ela fez seguidamente das praias, da baía de Luanda e da sua Ilha (que afinal era uma península, acabou por perceber), o Mussolo e os dias de praia que entravam pela noite dentro…

Ele ouvia-a, com os olhos semicerrados por causa do Sol que lhe aquecia e secava o corpo, sentindo-se transportado a esses locais paradisíacos… Virou a cabeça e olhou para ela para lhe pedir mais pormenores, a conversa era agora mais agradável, a Irene parecia mais em consonância com aquela tarde abafada e parada, em que as suas vozes eram o único som audível. Depois das vindimas, que tinham sido cedo nesse verão quente, todos os autóctones tinham muito que fazer, só eles dois se podiam dar ao luxo de gozar estes últimos dias na praia fluvial. Mas nem chegou a abrir a boca, o humor da sua companheira sofria alterações bruscas, conforme as memórias que lhe vinham à cabeça:

- O pior é o curso que interrompi – continuou a Irene – ainda não sei se me dão equivalência às cadeiras de Engenharia que fiz na Faculdade de Ciências de Luanda. Tenho um certificado que consegui trazer mas estão a colocar-me montes de dificuldades no Porto… Deixei Malanje, onde o meu pai trabalhava na Cotonangue, para ir para Luanda estudar. Sendo filha única não foi fácil fazê-lo e agora nem sei sequer se esse sacrifício me vai servir para alguma coisa!

- Acalma-te, vais ver que tudo vai correr bem, se és boa estudante vais certamente completar o curso num instante, a tua vida aqui em Portugal vai ser muito melhor do que imaginas e vais-te esquecer de Angola sem dar por isso – respondeu ele ... mas realmente pensando que ela não teria força para ultrapassar o mau bocado que passara e o que ainda a esperava. Entretanto afastava uma incómoda mosca que lhe picara a perna:
.– Raio das moscas aqui picam que se fartam! 
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Ela olhou-o longamente e suspirou em silêncio, compreendendo que ele não compreendia e sabendo, com a sabedoria de quem viveu, que ele não tinha ainda vivido o suficiente e ela já tinha vivido demais... 
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Enquanto ele procurava, mas em vão, desviar o tema da conversa com um galanteio ou uma graça em que era geralmente hábil, a trovoada desabou literalmente sobre eles, grossos pingos de água morna encharcaram-lhes a roupa e a terra sedenta começou a exalar um cheiro inconfundível, enquanto os trovões e os relâmpagos pareciam ter-se concentrado sobre e contra eles.

A trovoada libertou ambos dos seus mundos, dos seus pensamentos e das suas recordações, obrigando-os a empenharem-se na tarefa comum de salvar a roupa e o lanche, fugir da chuva e regressar a casa.

Setembro acabou e o Jorge regressou a Lisboa, nunca mais pensando nesse encontro com a Irene, embora as diversas conversas com ela nesse mês lhe tivessem alterado definitivamente a forma de encarar a questão dos “retornados”. Nas raras e curtas idas à aldeia nos anos seguintes nunca mais a reencontrou. A aldeia cresceu e transformou-se tanto na década de 80 que, ao voltar no Verão de 1994 para passar lá uma semana, quase não a reconheceu.
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Passeando uma noite a pé com um primo, residente, foi sabendo as estórias à volta das novas ruas e casas que tinham surgido. A aldeia original que ele conhecera era hoje como que um subúrbio desta nova e moderna povoação. Subitamente parou, admirado. Perto da casa dos seus avós erguia-se uma casa moderna, num estilo arrojado e claramente diferente de todas as outras, integrando materiais e assimetrias que mostravam um gosto requintado e inesperado neste local. O primo informou-o:
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- É a casa da Irene, lembras-te dela? Formou-se em Engenharia Civil e casou com um arquitecto no Porto, onde estudou. Fizeram aqui esta casa, que as pessoas da terra não apreciam muito, mas que já foi incluída em revistas estrangeiras de arquitectura, como exemplo das novas tendências nessa área.

Enquanto admirava a arrojada habitação o Jorge recordou-se da frágil Irene, que tinha afinal cumprido os seus planos de vida. Esta casa era a demonstração de que ultrapassara o regresso atribulado, o frio que tanto estranhara, as saudades de África, os problemas familiares … e esquecido certamente o difícil ano de 1975 e o jovem diletante e imaturo que, não a tendo verdadeiramente conhecido nem compreendido, receara por ela vinte anos antes.

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João Jales
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C O M E N T Á R I O S
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luis machado disse...
João
É bom o teu texto,fez-me regressar a Lisboa, ao mundo de que falas.
Casei com uma "Irene",embora não seja do Porto, e não namorei em Mondim de Basto.
Recordo-me do Jorge em Lisboa,numa manifestação anarquista(partiram a montra do Apolo 70, simbolo do consumismo capitalista)a distribuir panfletos, com uma canadiana com o capuz levantado para não ser reconhecido.O problema era que o gajo tinha quase dois metros de altura...
Agora uma tirada filosófica:"Escrever é sempre escrever para alguém."Eduardo PC.
Não percas o jeito.
Abraços
Luis.
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salette disse...
João, adorei a tua história.É uma fotografia perfeita de uma época, de um ano mesmo. Sentimos que andamos por lá.Foi muito bom iniciar o meu dia com uma leitura tão deliciosamente agradável.
beijinho e.....até á próxima!
Salette
.jorge disse...
fantástico,não tenho melhor para dizer.
o confronto de dois mundos numa tarde de verão enquanto dois adolescentes tomam banho e apanham sol.do melhor que aqui li,merecia outra divulgação.
angola continua a ter as maravilhas que a irene viveu mas já não se podem viver da mesma maneira.
j
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J.L. Reboleira Alexandre disse...
O Jorge conheceu a Irene na Europa. Eu conheci «Irenes» em Luanda, nesse Verão tão quente. A minha estadia nessa bela cidade, entre Janeiro e Outubro de 1975, valeu mais do que todos os livrinhos de bolso(vermelhos ou não) que lera meses antes.
As tragédias vividas por todas as «Irenes» antes e após o abandono daquelas terras côr de fogo, foram fortes de mais não só para os próprios, mas também para nós, quais jovens imberbes, que assistiamos, impotentes e completamente ultrapassados pelo desenrolar dos acontecimentos.
Há por aqui muita história para contar. Com receio de me repetir, volto a dizer que assistimos aqui a um dos momentos mais altos deste blogue.
Obrigado João!
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Sérgio Lopes disse.
Belíssimo texto e um momento elevado de qualquer blogue. Por favor debita-o, com os comentários, no blogue irmão IVS Está lá muita gente que esteve por aquelas bandas nesse período conturbado de tanta, tanta asneira, mas também com gente de cabeça fria.
Não o podes saber, porque nunca to disse, mas eu fui em 1974/75 um dosprincipais coordenadores operacionais da famosa Ponte Aérea. Na altura em que se deu o 25 de Abril era o director comercial da TAP para Angola e S.Tomé, com base em Luanda. Em Agosto de 1974 fui notificado de que regressaria à sede da TAP em Lisboa, mas decidi abdicar dessa "cómoda"transferência e ofereci-me como voluntário para planear e operar a Ponte Aérea que já estava no horizonte de um punhado de pessoas que tinham mantidoa cabeça sobre os ombros e tinha previsto atempada e silenciosamente que a balbúrdia em que o país tinha caído resultaria na necessidade de evacuar a população caucasiana rapidamente para terreno mais seguro.
Quando, finalmente, o poder central se decidiu pela evacuação já tinhamos tudo preparado. Não sei se tens consciência de que essa evacucação ainda é a maior Ponte Aérea toda civil (Vietname foi militar) da história, não tendo, porém, chegado ao Guiness. A história toda ainda está por contar.
Grande abraço e parabéns.
Sérgio
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Isabel Esse disse...
Ainda ninguém falou da fotografia:lindissima,repousante,tranquila,mas que não sei se tem mesmo relação com a história.
Como sempre nos teus contos estamos lá,sentimos o calor,a chuva,a trovoada,tudo!
Não resisto a fazer copy - paste para perguntar uma coisa :'Ela olhou-o longamente e suspirou em silêncio, compreendendo que ele não compreendia e sabendo, com a sabedoria de quem viveu, que ele não tinha ainda vivido o suficiente e ela já tinha vivido demais...'-porque é que as heroinas das tuas histórias são mais sábias que os heróis?
Adorei!IS
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Catatua emitando Ray Charles

Do João Facha recebi este e-mail:



Juro que não tenho a mania das catatuas  !!!!!!!
Mas acho que esta tambem tem direito a publicação. Tratas disso ? Ainda não sei como se faz.

 Um abraço

João Facha

Aí vai o LINK.  É só clicar


Nota de rodapé: Não faço ideia porquê este Editor não tem a facilidade de publicar vídeos, havendo que recorrer ao LINK.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

O relógio público da hora oficial

Até há pouco mais de 100 anos as pessoas orientavam-se pelo sol. As deslocações eram lentas e ninguém se apercebia que a hora de um lugar era diferente da do outro. O caminho-de-ferro e a necessidade de horas rigorosas mudou tudo: em 1878 promulgou-se um decreto que estabelecia para todo o país a hora de Lisboa, encarregando o Real Observatório Astronómico de Lisboa, criado em 1861, de "Fazer a transmissão telegraphica da hora official ás estações semaphoricas e outros pontos do paiz". Em 1911 Portugal aderiu à Convenção de Washington, que em 1884 tinha estabelecido os fusos horários. A hora do continente alinhou pela do fuso de Greenwich. Foi também esse decreto de 1911 que passou a denominar as horas entre o meio-dia e a meia-noite de 13 a 23, e que a meia-noite se desig-nasse por zero horas. Portugal adiantou a sua hora média solar 36m44,68s, ou seja, a diferença de longitudes entre os meridianos do Observatório de Lisboa e de Greenwich. Em 1915 foi instalado no Cais do Sodré o relógio que dava a hora oficial. Ainda hoje lá se encontra, embora o mecanismo tenha mudado. O primeiro veio da Alemanha e estava sincronizado com um pêndulo astronómico situado no Observatório de Hamburgo e ligado por uma linha de telégrafo privativa ao Observatório da Ajuda. Em 2001 a velha máquina mecânica foi substituída por uma de quartzo e o ano passado o sistema passou a ser assistido por um computador ligado a um relógio atómico do Observatório de Lisboa. E assim lá continua no Cais do Sodré o único relógio público que dá a hora legal em Portugal. Publicado no Jornal i em 13/4/2010 por António Mendes Nunes - Editor de opinião

terça-feira, 13 de abril de 2010

E assim vamos...

A TAP, AS GREVES E OUTRAS COISAS

João José Brandão Ferreira

A TAP nasceu em 14/03/1945, na sequência da II Guerra Mundial, com o objectivo primeiro de ligar as principais parcelas do território português, e servir de companhia da bandeira que ilustrasse o país. Foi fundada por um grupo de aviadores oriundos da Aeronáutica Militar e nasceu bem (talvez por isso ainda se aguente), com uma boa escola, boa manutenção e um bom serviço.

Funcionou sem grandes problemas até 1974, dominando o espaço aéreo e as regras do ar, em termos civis, correndo paredes meias com a Força Aérea, sem atritos, recebendo desta, de tempos a tempos, fornadas de pilotos, sobretudo milicianos, que continuavam a sua vida profissional, na companhia, após terminarem o contrato com a FA. E tinha lucros!

Vieram os anos da graça de 1974/5 e tudo se modificou. No rescaldo da agitação política e social desses tempos conturbados resultou para a TAP, ficar com pessoal a mais e gente de todas as cores partidárias; administração de escolha político-partidária conforme o governo em funções; altos valores remuneratórios e longa lista de prebendas acessórias, distribuído por todos os sectores da companhia, com especial ênfase para o pessoal navegante e, naturalmente, entre estes, os pilotos. Estes benefícios resultaram não de uma distribuição equitativa, faseada ou realista, mas apenas pela capacidade reivindicativa demonstrada. Naqueles tempos (e nestes, também), quem gritar mais alto e tiver mais hipóteses de causar danos no dia a dia da sociedade, tem mais hipóteses de obter contrapartidas. É o caso da TAP.

Tudo isto não deixa de ser um abuso e um factor de injustiça social que não ilustra qualquer regime. 

O espaço aéreo, por seu lado, passou a estar mais ocupado, pelo extraordinário desenvolvimento da aviação civil, no campo do transporte de passageiros, carga, desporto, trabalho aéreo, aeroclubes, escolas, etc, o que obrigou a um reforço de competências e meios da autoridade aérea nacional, a DGAC, agora INAC. A única coisa que tem diminuído são as horas de voo da Força Aèrea... 

A TAP perdeu peso relativo na ocupação do espaço aéreo nacional mas ganhou um número apreciável de sindicatos, que têm mantido o nível dos proventos dos seus associados numa relatividade elevada, se comparados com os demais portugueses e até com os portugueses de competências profissionais idênticas. 

O mesmo se passou com os quadros superiores da administração, mas numa escala um pouco mais obscena e sem que alguma vez, alguém tenha sido responsabilizado por nada. Antes pelo contrário quando algum governo não gosta de um “gestor”, despede-o acompanhado de lauta indemnização e, por norma, sempre se arranja um lugarzito noutra empresa do Estado. Sim porque a TAP, é bom lembrá-lo, é (desde 1991), uma Sociedade Anónima de Capitais Maioritariamente Públicos , ou seja,maioritariamente, de todos nós. 

Acontece que apesar das valências positivas que a companhia tem tido, não se tem sabido adequar aos diferentes cenários internacionais e nacionais (a começar pela perda de certos monopólios em rotas) e tem vindo a acumular prejuízos desde 1974. Estes prejuízos têm sido suportados pelos contribuintes – enquanto a UE permitiu ao governo injectar dinheiro na companhia e resta saber os subterfúgios que possam existir para o continuar a fazer – e por recurso a empréstimos bancários, o que contribui para aumentar a nossa já devastadora dívida pública.

Ora eu, humilde contribuinte, não quero continuar a pagar este desconchavo. Espero que os leitores me concedam esse direito.

O problema é que só quem me pode ajudar neste “direito” é o governo. Ora o que faz o governo? O governo encolhe-se cada vez que um sindicato do sector, com especial incidência para o dos pilotos, ameaça que faz greve. E quando escrevo “encolhe-se” deve ler-se, acobarda-se, pois é isso que tem feito há 30 anos a esta parte, ao mesmo tempo que não consegue gerir e, ou, transformar a empresa de modo a que esta dê lucros. Neste âmbito os leitores saberão aplicar os adjectivos adequados sem que eu os tenha que explicitar. 

Mas o governo faz pior, além de não pôr ordem na TAP,deixando também que se avolumem injustiças relativas dentro da própria empresa, ainda cria outros problemas noutros sectores do Estado, pelas desigualdades que mantém. Por ex., um coronel piloto da FA ganha cerca de três a quatro vezes menos do que um comandante da TAP, ao passo que tem muitos maiores deveres e responsabilidades e consideravelmente menos direitos. Um co-piloto da TAP entra a ganhar mais do que o Chefe do Estado Maior de qualquer ramo das FAs, mas pelos vistos ninguém se incomoda com isto… Aliás alguma alma caridosa pôs a circular na net a tabela salarial dos pilotos da TAP, que parece ser uma “slot machine” que só dá moedas, nunca retém. Isto sem falar, em apoios sociais, seguros, complementos de reforma, etc. Dá ideia de que logo que um piloto se levanta da cama já está a ganhar… Isto numa profissão em que nem sequer uma licenciatura se exige!

Por isso a maioria dos 800 pilotos da TAP, considerou – ao que consta – a recente ameaça de greve na Páscoa, como inoportuna e desajustada e esta acabou por ser desconvocada - sabendo-se posteriormente terem sido destribuidos quatro milhões de euros de prémios de produtividade…. Fizeram bem. Se não fosse por mais nada, ganha-se em decência… E os pilotos mais novos que se cuidem, pois a continuar assim, a TAP vai mesmo ter que ser encerrada/vendida/desmantelada, etc. Já não havia pachorra, agora não há dinheiro. 

É certo que outras injustiças se mantêm, mas isso não deve servir de argumento. O que há a fazer é tentar acabar com elas, não criar ou manter outras.E há,a pouco e pouco,que ir tentando a justiça relativa na sociedade. 

Mais uma vez só os órgãos do Estado e, nomeadamente, o Governo, podem harmonizar estas situações. Mas como os governos e os políticos em vez de governarem, andam em permanente campanha eleitoral e, ou, a tratarem dos “assados” em que se metem ou se deixam meter, não temos horizonte por onde esperar uma luz que nos dê esperança. 

O “Estado Exíguo” para que caminhamos há muito, passa sobretudo por termos um estado politicamente falhado.




João José Brandão Ferreira

TCor/Pilav (Ref)

quinta-feira, 8 de abril de 2010

A Floresta Egípcia



ESPECIALISTA HISTÓRIAS LISBOA

A Floresta Egípcia

por António Mendes Nunes, Publicado em 07 de Abril de 2010  

A Floresta Egípcia era um espaço, a meio caminho entre feira popular e recinto de espectáculos, que existiu, na segunda metade do século xix, nas traseiras do Palácio Alagoas (n.os161 a 195 da Rua da Escola Politécnica). Prolongava-se para as traseiras numa extensão que incluía parte das actuais ruas Pedro de Freitas Branco e Tenente Raul Cascais. Talvez chegasse muito perto da Rua de S. Bento.

Imaginado pelo pirotécnico italiano José Osti, era famoso pelos seus lagos, palmeiras, espectáculos de fogo-de-artifício e pelo teatro, que dava comédias, a partir das oito da noite, nos dias de semana, e das quatro da tarde aos domingos. Os lisboetas adoravam pavonear-se por ali, a beber capilés e outros refrescos, tentando um namorico ou passeando com a família atrás.

O sucesso da Floresta Egípcia e de José Osti terá ficado a dever-se aos seus conhecimentos de química, que lhe permitiam fabricar os seus fogos-de-artifício com mais cores e tons mais deslumbrantes do que até então eram conhecidos.

Para a história terá ficado a notícia de um acidente simultaneamente ridículo e trágico. Uma caixa de fósforos ter-se-á incendiado no bolso das calças de um moço. Um amigo que o acompanhava não foi de modas e ati- rou-o para dentro de um dos lagos. O fogo apagou-se mas o infeliz morreu afogado.

A Floresta Egípcia acabou em falência, como os outros negócios em que José Osti se meteu, e para a posteridade só ficou a referência elogiosa que Júlio César Machado, um escritor coevo, lhe faz no romance "A Vida em Lisboa". 

Editor de opinião

domingo, 4 de abril de 2010

sábado, 3 de abril de 2010

Vida no Castelo

Aquele castelo sempre me fascinou.

Erguido no cimo do monte, logo que se atravessa o grande portão de entrada, somos transportados a tempos medievais.

Do cimo das muralhas, os arrozais a perder de vista, entrecortados pelo verde escuro dos salgueiros e o rio que os atravessa.

A vila, no sopé, foi-se avolumando com o casario até lá abaixo, no fundo do monte.

Antigamente, o rio zangava-se e transbordava alagando tudo, transformando os terrenos em enorme lago lamacento e castanho. As pessoas acostumadas já não estranhavam. Limitavam-se a levar os seus haveres para pisos superiores das habitações e os animais, lá para cima, em abrigos no monte.

Quando o rio baixava, os detritos que ficavam depositados tornavam a terra ainda mais rica e fértil.

Sento-me numa pedra no cimo da muralha, numa tarde ensolarada de Domingo, quando resolvi dar uma volta por lá: ao castelo de Montemor-o-Velho..

Delicio-me olhando as verdes marinhas semeadas de arroz e milho que em Setembro se transformam em loiras searas com ceifeiras enormes que parecem formigas, vistas lá do alto, ziguezagueando por entre as espigas.

Castelo povoado de lendas, onde se mistura o fantástico com o real, de tal forma que nos faz acreditar que um dia podia ter acontecido.

A lenda de Abade João é prova disso, ou mesmo a lenda das Arcas da fortuna e da peste. Há quem acredite que enterradas nas muralhas se encontram duas arcas de pedra. Uma cheia de ouro e outra cheia de peste. Só que ninguém se atreveu a abrir a tampa de nenhuma delas com medo que em vez de ouro saia lá de dentro miséria, doença e peste.

A lenda de Abade João também se conta por ali, com laivos de verdade.

Ao tempo do Abade João, o castelo foi cercado por forças do califa de Córdoba, comandadas por um cristão renegado: Garcia Ibanhez Zuleima.

Em número superior, os combatentes do castelo deliberaram dar morte a todos os que ficaram, degolando-os, incluindo as esposas e filhos para que não fossem martirizados, caso perdessem a batalha.

Assim sendo, lutaram com tanta raiva que venceram. E foi aí que se deu o milagre. Os familiares dos defensores do castelo foram a correr esperar os vencedores com as cabeças repostas no seu lugar. Ainda hoje, a imagem de Nossa Senhora da Vitória tem uma cicatriz vermelha no pescoço, na Igreja local, que evoca o milagre.

E vou ficando a olhar o pôr do sol, para o lado da Figueira da Foz. O Sol quase mergulha no horizonte, transformando o céu numa paleta de cores. Uma cegonha sobrevoa a minha cabeça à procura do ninho, algures numa velha chaminé. As garças procuram alimento no sapal onde uma lontra espreita por entre a folhagem das canas, as rãs coaxam uma sinfonia algo estranha.

Ouço barulho e assusto-me. Olho para trás e vejo soldado medieval. Cota de malha em ferro e sandálias de couro.

Meu conhecido ? Não !!!!

Olhou-me e sem se assustar perguntou o que fazia eu ali. Disse-lhe que gostava de olhar a paisagem do cimo das ameias. E ele ? Que fazia ali ? Disse-me que morava ali com a mulher e os filhos.

Mais barulho. Ao fundo e em grupo vinham soldados vestidos da mesma maneira e apressavam-se a subir a ladeira empedrada da entrada. Um senhor vestido com túnica vermelha, montado num cavalo, seguia na frente. Uma dama e as suas aias vieram esperá-lo com risinhos e alegria.

Desmontou do cavalo. Nem olhou para mim, nem estranhou as minhas calças de ganga e máquina fotográfica. Com o meu amigo guerreiro fui andando pela relva, rumo às traseiras da Igreja de Alcáçova, antigo cemitério.

Era já noite. Andavam por ali umas mulheres estranhas Traziam roupa preta e dançavam tendo no meio da roda uma enorme fogueira que elevava as chamas para o céu.

Descobriram-me e fizeram-me dançar com elas, nunca me deixando sair Ora puxava uma, ora puxava outra E eu dancei, dancei ... E a lua lá em cima redondinha, grande, cheia !Já quase manhã, uma a uma foram desaparecendo, deixando-me sozinha . Aninhei-me ainda mais no ombro do meu amigo.

O castelo fervilhava de gente estranha, todos vestidos da mesma forma.

Das chaminés das casas saía o fumo das lareiras acesas e no ar o cheiro da panela da sopa que fervia, temperada com um bom naco de presunto ou toucinho.

Uma cavalgada e um cavaleiro apressado gritava

__ Deixem-me passar ! Fui ao Afonso comprar umas espigas doces para a minha mulher que está de esperanças E lá foi a galope com as caixas debaixo do braço, a caminho de casa.

Eu desci as escadas até à vila e ao volante do meu automóvel nem sei se sonhei ou se o castelo se encheu de vida naquele dia.

Natércia Martins

sexta-feira, 2 de abril de 2010

O ferrador do Altinho

Jornal I
por António Mendes Nunes, Publicado em 31 de Março de 2010   





NA RUA DA JUNQUEIRA, quase a chegar a Belém, há um modesto barracão, fechado há quase 20 anos, onde foi a oficina de Mário Ferrador, o ferrador do Altinho, como ficou conhecido. Ficou afamado pela mestria com que ferrava os melhores cavalos, mas sobretudo por curar maleitas, não só às gentes do povo, mas também a outras pessoas, bem lustradas e de posses.



Homem simpático e prestável, com os seus dotes de endireita punha no lugar ossos fora do sítio, tirava as dores da "espinhela caída" (hérnia discal) e concertava o "bucho virado" (hérnias) em três tempos. Mas a sua fama cresceu sobretudo por "queimar o nervo", isto é, curar a ciática, por um método que ele e os seus ajudantes diziam não doer nada: com um ferro em brasa queimava um determinado ponto da orelha.

Um dos seus ajudantes era o irmão, a quem um dia também apareceu a maldita dor. E lá foi a sua vez de se submeter ao tratamento. Agarrado por três homens, estrebuchou e gritou como qualquer outro. A partir desse dia toda a gente passou a gozá-lo mal era visto na rua: "Então como é? Aos outros não dói, só te dói a ti?" E ele afinava.

Um dia, em meados da década de 1980, o Mário Ferrador foi atropelado. Ficou combalido, passou a andar triste e finou-se.

Para a antiga oficina, um edifício camarário, a edilidade ainda terá tentado organizar um sítio museológico dedicado à arte de ferrador. A pouco e pouco as ferramentas do ofício foram desaparecendo, até só restar o tronco (lugar onde se arrumavam os cavalos para ferrar), e a ideia morreu. Mais uma memória de Lisboa que se foi.

Editor de opinião