Só a cabecita ....
A Margarida Torneira era tão teimosa como uma torneira velha quando pinga, pinga e não há nada que a faça parar.
Nem uma bucha nova. Fica tudo na mesma.
Com a senhora Margarida Torneira, que Deus haja, era o mesmo. Fazia sempre a sua vontade, até mesmo quando o Sr José, seu marido, perdia a paciência, ela sempre a resmungar, até se calar.
Não tinha filhos. Mas aferrolhava tudo e fazia os possíveis e os impossíveis para não gastar dinheiro. Matar uma galinha ? Comer um ovo ? Isso era para os dias de festa E era quando, era.
Como já disse, a Sra Margarida Torneira não tinha filhos, mas gostava muito de crianças. Contava-lhes histórias longas e intermináveis nas noites iluminadas pela lua de Agosto durante as descamisadas ou debulha do milho
É que as noites quentes de Verão eram aproveitadas pelos vizinhos da minha aldeia na entreajuda dessas tarefas. Sem luz eléctrica, apenas iluminadas pelo luar ou candeeiro a petróleo, mais se ouvia do que via as espigas caírem dentro dos cestos grandes e fundos.
Nunca viu o mar. Não fazia a menor ideia como seria. Apenas sabia que era grande, fundo e azul. Nas suas histórias entrava sempre, como personagem principal, o Mar.
Porquê ? Nem ela sabia. Mesmo sem o conhecer gostava de falar dele.
E falar do mar, de areia, de peixes, de búzios, barcos e monstros no meio de serras e mato talvez fosse de uma imaginação assustadora. Era assim a Senhora Margarida Torneira.
O mercado semanal, único lugar onde se comprava e vendia os produtos da terra era à Segunda feira.
Entrava-se por um portão de ferro com enfeites em forma de lança e percorrendo um corredor empedrado ficava , de um lado o pão vendido e arrumado em cestos de verga. Os bolos em forma de bonecos de braços esticados, num cesto ao lado. Depois seguiam-se as couves, feijão verde, batatas, tremoços, cabritos e tudo mais que houvesse para comprar e vender. A lei da oferta e da procura.
Lá ao fundo, recordo bem, o monte de milho e grão de bico posto em cima de mantas da azeitona e medido com o alqueire de madeira, negro e sujo pelo tempo e pelo uso.
Do lado oposto, o peixe. Lá estavam as mulheres com caixas de sardinha acamadas e direitinhas como filas de soldados, cobertas de sal.
Contavam-nas com uma certeza que sempre me confundiu. É que nesse tempo a sardinha vendia-se por conto.
Também a Sra Margarida Torneira ia ao mercado com o marido. Única distracção. Aproximava-se da caixa da sardinha. Procurava as mais pequenas e mais baratas. Levava três ou quatro. Não precisava de mais. Chegavam para o seu Zé.
Ele bem queria que levassem mais, mas ela, teimosa, não consentia. Eram só para ele.
Chegados a casa, assavam as sardinhas nas brasas que ficaram no borralho. No prato dele luziam, com azeite e cebola picada, poisado em cima dos joelhos. O Sr José dava a primeira garfada. E era quando ela, devagarinho ia chegando o banquito de madeira para junto dele e baixinho começava:
__ Ah ! Zé, dá-me só a cabecita .....
Então ele explodia:
__ Filha da ....... comprasses mais sardinhas, como eu queria. Vai buscá-las ao mercado, sovina .....
Mas a Sra Margarida Torneira, teimosa, como uma torneira que pinga toda a noite, não ia comprar mais sardinhas, mas todas as Segundas-feiras sentada mesmo banquinho junto à lareira atazanava a cabeça do marido:
__ Ah! Zé dá-e só a cabecita !!!!!!
Natercia Martins
1 comentário:
Estás sempre a deleitar-nos com os teus contos. Paranéns.
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