por António Mendes Nunes, Publicado em 31 de Março de 2010
NA RUA DA JUNQUEIRA, quase a chegar a Belém, há um modesto barracão, fechado há quase 20 anos, onde foi a oficina de Mário Ferrador, o ferrador do Altinho, como ficou conhecido. Ficou afamado pela mestria com que ferrava os melhores cavalos, mas sobretudo por curar maleitas, não só às gentes do povo, mas também a outras pessoas, bem lustradas e de posses.
Homem simpático e prestável, com os seus dotes de endireita punha no lugar ossos fora do sítio, tirava as dores da "espinhela caída" (hérnia discal) e concertava o "bucho virado" (hérnias) em três tempos. Mas a sua fama cresceu sobretudo por "queimar o nervo", isto é, curar a ciática, por um método que ele e os seus ajudantes diziam não doer nada: com um ferro em brasa queimava um determinado ponto da orelha.
Um dos seus ajudantes era o irmão, a quem um dia também apareceu a maldita dor. E lá foi a sua vez de se submeter ao tratamento. Agarrado por três homens, estrebuchou e gritou como qualquer outro. A partir desse dia toda a gente passou a gozá-lo mal era visto na rua: "Então como é? Aos outros não dói, só te dói a ti?" E ele afinava.
Um dia, em meados da década de 1980, o Mário Ferrador foi atropelado. Ficou combalido, passou a andar triste e finou-se.
Para a antiga oficina, um edifício camarário, a edilidade ainda terá tentado organizar um sítio museológico dedicado à arte de ferrador. A pouco e pouco as ferramentas do ofício foram desaparecendo, até só restar o tronco (lugar onde se arrumavam os cavalos para ferrar), e a ideia morreu. Mais uma memória de Lisboa que se foi.
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