quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Reescrever a História
A rua das Amoreiras, que liga o Largo do Rato à Avenida Duarte Pacheco já se chamou Rua de S. João dos Bemcasados, por aí ter existido uma ermida com essa invocação, mas não é essa a história que hoje vamos seguir. O que nos interessa é o Arco Monumental do Aqueduto das Águas Livres, que une os dois lados da rua e que tem duas lápides, uma de cada lado. Numa delas diz (transposto para a grafia actual): “Regulando D. João V, o melhor dos reis, o bem público de Portugal, foram introduzidas na cidade, por aquedutos solidíssimos que hão-de durar eternamente, e que formam um giro de nove mil passos, águas salubérrimas, fazendo-se esta obra com tolerável despesa pública e sincero aplauso de todos. Ano de 1748”.
Esta inscrição, no entanto, não é a original, mandada picar em 1773 “até que se não visse”, escrita em latim, e que dizia mais ou menos o seguinte “No ano de 1748, reinando o piedoso, feliz e magnânimo rei D. João V, o Senado e povo de Lisboa, à custa do mesmo povo e com grande satisfação dele, introduziu na cidade as Águas Livres desejadas por espaço de dois séculos, e isto por meio de aturado trabalho de vinte anos a arrasar e perfurar outeiros na extensão de nove mil passos”. Quem mandou alterar a inscrição? Sebastião José de Carvalho e Melo, então já Marquês de Pombal, que na defesa dos ideais do iluminismo, não teve pejo em varrer da homenagem o desgraçado povo de Lisboa que pagou a obra com os impostos lançados sobre o azeite, o vinho e a carne que consumia na cidade e arredores.
António Mendes Nunes
Editor de opinião
Publicado em 8-12-2010 no jornal i
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