quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
Brandos Costumes
Com mais de 250 mil habitantes, a maioria amontoados em casas sem condições, construídas em vielas tortuosas e sujas, a Lisboa de 1700, ainda espartilhada pela velha muralha Fernandina, era uma cidade insegura e violenta, como nos contam os relatos da época e como demos conta na crónica da semana passada.
Os pedidos de ajuda eram constantes mas as respostas não pareciam ser eficazes. Luiz Montez Mattoso, na folha semanal que publicou entre 1740 e 1745 dá-nos conta que o reforço da polícia era ineficaz porque os meliantes e ladrões sabiam bem como lhe fugir e nem a dureza das penas os afastava dos seus actos. Isto, porque só uma ínfima parte dos meliantes eram apanhados, recaindo neles a fúria dos tribunais, escapando a maioria a qualquer castigo.
E que castigos eram esses? A pena de morte, quase sempre.
No jornal do dia 29 de Outubro de 1740 noticia-se, sem grandes pormenores, que três homens “tinham sofrido morte natural na forca da Ribeira e mais três estavam aguardando a mesma sorte, por terem furtado uns galões de ouro e prata numa loja da Rua Nova”. Castigo violento? Sim, para os nossos padrões actuais, mas brando segundo os da época. Como se pode ler em “Principais Notícias dos Desacatos” da autoria de Frei João de S. Boaventura, publicado em Lisboa em 1825, os roubos nas igrejas e, sobretudo, as profanações dos sacrários eram punidos ainda mais violentamente. E dá-nos notícias de vários casos em que os ladrões eram arrastados pelas ruas até ao local do crime, as mãos eram-lhes cortadas e queimadas à sua vista e depois eram eles próprios queimados e as cinzas lançadas ao Tejo.
António Mendes Nunes - Editor de Opinião . Publicado no Jornal i, em 20 de Janeiro de 2010
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3 comentários:
Já em meados do século XVIII a Pena de Morte não parecia ser exemplo suficientemente severo para inibir os criminosos. Não é diferente hoje, nos 44 países é aplicada para crimes comuns. A sua aplicação aparece justificada como uma prevenção contra crimes futuros, mas a verdade é que estudos recentes mostram que Pena de Morte não significa protecção nem traz benefícios para a sociedade. É a punição mais cruel, desumana e degradante que pode existir e pior, é irrevogável. Quando uma punição destas é aplicada por sistemas dependentes da acção humana e dos seus possíveis erros, o resultado é que em vez de servida, a justiça é pervertida. Países que ainda aplicam a Pena de Morte
Afeganistão
Arábia Saudita
Bangladesh
Bielorrússia
Botsuana
Burundi
Camarões
Cazaquistão
R. P. China (excepto Macau e Hong Kong)
Coreia do Norte
Coreia do Sul
Cuba
Egipto
Emirados Árabes Unidos
Estados Unidos da América (só em alguns estados)
Etiópia
Gabão
Gâmbia
Gana
Guatemala
Guiana
Iêmen
Índia
Indonésia
Irã
Iraque
Japão
Jordânia
Kuwait
Laos
Libéria
Líbia
Malauí
Mongólia
Nigéria
Omã
Paquistão
Quirguistão
Singapura
Síria
Somália
Suazilândia
Sudão
Tailândia
Tanzânia
Togo
Tadjiquistão
Turquemenistão
Uganda
Uzbequistão
Vietnam
Zaire
Zâmbia
Zimbábue
Relembrando: Portugal foi, na prática, o primeiro país da Europa e do Mundo a abolir a pena capital, pois antes dele apenas a tinham abolido a efêmera República Romana, em 1849, e o Principado de S. Marino, em 1852. De qualquer modo, Portugal foi o primeiro Estado do Mundo a prever a abolição da pena de morte na Lei Constitucional, após a reforma penal de 1867.
Cronologia:
Abolida para crimes políticos em 1852 (artigo 16.º do Acto Adicional à Carta Constitucional de 5 de Julho, sancionado por D. Maria II).
Abolida para crimes civis em 1867 no reinado de D. Luís. Abolida para todos os crimes, excepto por traição durante a guerra, em Julho em1867 (Lei de 1 de Julho de 1867). A proposta partiu do ministro da Justiça Augusto César Barjona de Freitas, sendo submetida à discussão na Câmara dos Deputados. Transitou depois para a Câmara dos Pares, onde foi aprovada. Mas a pena de morte continuava no Código de Justiça Militar. Em 1874, quando o soldado de infantaria n.º 2 António Coelho assassinou o alferes Palma e Brito, levantou-se grande discussão sobre a pena a aplicar.
Abolição para todos os crimes, incluindo os militares, em 1911. Readmitida em 1916 a pena de morte para crimes de traição em tempo de guerra. Abolição total em 1976.
A última execução conhecida em território português foi em 1846, em Lagos. Remonta a 1 de Julho de 1772 a última execução de uma mulher, que se chamava Luísa de Jesus. A última execução oficial, de homem ou mulher, foi em 1917, durante a primeira guerra mundial, por traição, no seio do exército português em França, ao abrigo do Direito Português.
De forma extra-oficial, a PIDE, polícia política do regime ditatorial português designado por Estado Novo, executou (deliberadamente ou na sequência de torturas) alguns ativistas anti-regime e, de forma praticamente sistemática, os elementos capturados na guerra contra os movimentos emancipacionistas de três colónias portuguesas (Guiné-Bissau, Angola e Moçambique) entre 1961 e 1974.
Actualmente, a pena de morte é um acto proibido e ilegal segundo o artigo 24.º, n.º 2, da Constituição Portuguesa.
Obrigado, António MN, por mais esta crónica esclarecedora.
Obrigado eu pelo esclarecimento enriquecedor e oportuno. Como já antes ecrevi, estou limitado (eu e todos os meus colegas "opinantes do i") a 1500 caracteres. E faço questão de colocar aqui os textos tal como os meus leitores do jornal os vêem.
Por essa razão fico sempre agradecido e gostava que mais antigos colegas e actuais amigos interviessem mais.
Um abraço
António MN
Sei que estás limitado no espaço e, mesmo assim, fazes milagres para contar uma história que tenha princípio, meio e fim. Não é fácil. O que é interessante é que um leitor do iOnline tem muito menos limitações para comentar. Acabei de o fazer e consegui "enfiar" nada menos de 2.898 caracteres sem espaços e, contando os espaços, 3.438 caracteres; ou seja, mais que o dobrou do que te é permitido. Claro que reduzi os espaços ao mínimo, penalizando o visual.
Gosto da tua escolha de temas, no fundo a inspiração e o segredo de um bom cronista; que é o que tu és e tenho muito orgulho de termos passado pela mesma instituição de ensino.
Grande abraço,
Sérgio
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