domingo, 2 de janeiro de 2011

Um capilé como arma letal

Em 1845 o país estava em polvorosa, com revoltas um pouco por todo o lado contra o governo de Costa Cabral, que decretara desvalorizações brutais de moeda e outras medidas que dariam lugar à revolta da Maria da Fonte e à Patuleia, menos de um ano depois. Se o país estava em cacos, o Teatro de São Carlos também não ia melhor. Artistas medíocres, falta de reportório e muitas pateadas.A nossa história centra-se não numa figura principal, mas sim num modesto cabo de coristas, de seu nome José Maria da Conceição, mas conhecido em toda a Lisboa como José Maria Saloio, homem valente, de envergadura física impressionante, normalmente bonacheirão, mas capaz de varrer sozinho uma feira se lhe não falassem com jeito.No dia 26 de Dezembro de 1845 representava-se "Maria Padilla", de Donizetti, houve um pequeno desaguisado e o barítono italiano Luiz Salandri insultou o José Maria Saloio. Este calou-se, mas três dias depois (passam hoje precisamente 165 anos), estava o José Maria a beber um café e uma garrafa de conhaque no Tavares, entrou o Salandri, que se sentou a uma mesa. Mal o viu, o cabo das coristas chamou um criado e mandou servir um capilé (refresco muito doce de folha de avenca) ao cantor. Este fez menção de recusar e de se levantar e de pronto José Maria Saloio lhe pôs a manápula no ombro e o colou à cadeira. Depois desse capilé mandou servir-lhe outro e outro, e quando já ia no sétimo Salandri virava para o seu carrasco uns olhos suplicantes, como a dizer "não posso mais".José Maria Saloio abeirou-se e segredou-lhe ao ouvido: "Para a próxima vez cuidado com a língua, senão duplico a dose. Por António Mendes Nunes - editor de Opinião - Publicado no jornal i em 29 de Dezembro de 2010

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